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Diário de Bordo

causos, cotidiano e pensamentos

Paraguai 3º dia - Quebra

09 de mai de 2024 — @henriquetrek

Sabe quando dizem coisas sobre o Paraguai ser uma muvuca, do comércio ser uma loucura, de ter muitos produtos falsificados, que "justifica" a fama do país ser sinônimo de trambicagem e atraso?
Nada poderia ser mais longe da verdade.


Quase sempre essa fama que o país leva é devido ao seu grande centro comercial que faz fronteira com o Brasil, Ciudad del Este. Entretanto nós brasileiros muitas vezes julgamos o todo por uma ínfima fração deste todo. No caso o Paraguai e Ciudad Del Este.
Sim, Ciudad del Este tem em seu núcleo comercial de fronteira um aspecto caótico e agressivo, que é muitas vezes exagerado por experiências individuais desproporcional à verdade de sua natureza.

É possível observar em todo grande centro comercial, de qualquer capital do Brasil, um aspecto caótico e movimentado, e nem por isso creditamos a estas capitais a má fama que atribuímos ao país vizinho. Muito provavelmente por sermos todos de uma mesma nacionalidade. Entretanto alimentamos uma percepção negativa sobre o Paraguai apenas pela experiência do comércio de fronteira com Ciudad del Este. E isso está muito errado.

Como muito bem sabe qualquer astrônomo amador, quanto mais próximo de um grande centro, maior e mais caótica são as movimentações daqueles que integram essa região, enquanto a medida que nos distanciamos percebemos uma maior tranquilidade e equilíbrio. No centro da nossa galáxia estrelas giram em velocidades assustadoras, muitas vezes se chocando entre si. Enquanto que distante deste núcleo encontramos estrelas com órbitas mais estáveis e passíveis de acolher a vida. Da mesma forma é com as grandes cidades.
Podemos julgar um bairro residencial pelo forte movimento e trânsito de seu bairro comercial?
Obvio que não. Se fosse assim não escolheríamos bairros e cidades aonde morar. É o mesmo caso com o Paraguai. Julgamos o país inteiro pela micro fração mais destacada, e que ganha mais repercussão, do seu todo. O centro comercial de fronteira.

Hoje tive o privilégio e viajar país a dentro, atravessando Ciudad del Este em direção às entranhas do Paraguai e me encantei com as coisas que vi.

Antes de mais nada, o Paraguai é um país com ritmo diferente do Brasil. Minha percepção é que as coisas aqui são feitas sem a urgência "fatal" com a qual nos acostumamos na terra natal. O país é mais tranquilo, prezando pela qualidade de vida acima da balada e agitada vida noturna - que existe como em toda grande cidade, embora limitada a estes grandes centros.

Passei por cidades tranquilas, mas muito bem estruturadas. Muitos bancos, supermercados, mecânicas, lojas de carros, farmácias, tudo. A cidade podia ter 5km e ser à beira de uma avenida principal, mas não fica para trás de nenhuma grande capital no que diz respeito à qualidade e prestação de serviços, sejam clínicas de odontologia, mecânica, internet ou telefonia.
Isso sem falar na imensidão de verde que o país ostenta. A perder de vista!
Muitas árvores e áreas plantadas. Diferente do Brasil, que é limitado pelo IBAMA a - o quê? - 20% de área explorável e 80 a ser preservada, o Paraguai faz uso ao máximo do seu potencial e está se tornando um grande produtor de grãos (milho, soja, trigo, cana de açúcar, etc) preservando - o que muitos podem julgar como um atraso - as técnicas tradicionais de armazenagem e uso do grão, com o mínimo de interferência industrial na sua conservação e manipulação.

Testemunhei também o quão forte é o setor agrário, tanto em valorização do profissional - podendo receber salários de até US$10,000 - quanto em maquinário de ponta investido no setor.
Grandes áreas plantadas, a perder de vista, de milho, soja e trigo.
Usinas de cana de onde sai a produção de álcool, açúcar e outro derivados do insumo.
A capital nacional do setor agrário se chama San Alberto. Uma pequena cidade que está em ascensão devido todo investimento no setor. Condomínios de luxo estão em construção na pequena cidade, muitos destes para receber os imigrantes que buscam impulsionar o crescimento do país. E quem não gostaria? Com sua política de impostos claros, sem meias voltas e reinterpretações mirabolantes como as do vizinho Brasil, claro que seria terra fértil.

E por falar em terra, o Paraguai goza do privilégio de uma terra rica para plantação. Alguns chamam de terra roxa de tão nutritiva que é para as plantas.
Junte a isto a tranquilidade de uma cidade do interior do Brasil, a prosperidade oferecida, fruto da simplicidade em se empreender e a atual facilidade em adquirir cidadania, daqui a 10 anos o Paraguai pode desbancar o Brasil em muitos aspectos, pois com sua política retrógrada nosso país esta caminhando largamente para o futuro do passado. Sufocando empreendedores, pilhando trabalhadores e retroalimentando o leviatã que precisa consumir cada vez mais para sustentar o próprio peso, eu temo pelo futuro de quem escolher fazer parte dessa história por conformidade.

No momento em que eu vi que o bairro mais "isolado" da cidade mais distante e "interiorana" do Paraguai tem internet rápida, água de qualidade, energia e serviços dos mais diversos, do essencial ao "supérfluo", coisa que muitos bairros da minha cidade natal não possuem, eu tive a imagem de um Paraguai atrasado completamente obliterada.

Infelizmente, por mais que eu escreva e descreva o que vi e presenciei durante o dia de hoje, não é possível ter uma compreensão clara do que é o Paraguai e do que ele nos oferece, caso estejamos dispostos a nos dedicar nele.
É algo que precisa ser vivido, visto e sentido.

Claro que há certos desafios e concessões que precisamos fazer.
Uma delas é o trânsito. O Paraguai não tem fotosensor, não tem o estado na sua cola lhe cobrando o cinto de segurança ou o capacete para sair de moto. Ele deixa você fazer suas escolhas e arcar com as consequências.
O trânsito é mais caótico, de novo, próximo ao centro comercial, onde não há semáforos e orientações sobre preferência, mas todo mundo se entende. É melhor do que ter quatro semáforos um encima do outro em um espaço de 100 metros.
O resto do país possui um trânsito mais tranquilo, com estradas sinalizadas e até bem asfaltadas ou recapeadas - melhores do que as do Brasil pelo menos.

Paraguai não é Ciudad del Este. Não mais do que Santa Efigênia é o Jardins.

Paraguai é uma experiência que precisa ser vivida de forma imersiva.
E uma oportunidade que não pode ser deixada de lado, porque amanhã pode ter ido embora.

E para encerrar do dia com chave de ouro...

Tags: paraguai, viagens