Compartimentalização
Antigamente toda nossa tecnologia era compartimentalizada. TVs exibiam imagens, rádio transmitia áudio, câmeras fotografaram, filmadora filmavam, vídeo cassetes exibiam e guardavam conteúdo em vídeo, telefones faziam ligações de voz entre pessoas distantes. Quando um desses dispositivos parava apenas a função que este exercia ficava inoperante.
Hoje, com o avanço da tecnologia, temos um único dispositivo capaz de realizar todas aquelas funções, muitas vezes com maestria. Concentramos nossas vidas, nossas finanças, nosso cotidianos, toda a nossa rotina neste aparelho, ou em aparelhos centralizados. E a dor de cabeça é grande quando este é levado, perdido ou danificado.
Compartimentalização não é uma boa ideia apenas para aumentar nossa privacidade na internet, também pode ser uma filosofia de vida e uma maneira de minimizar possíveis problemas ou perdas e dores de cabeça quando um dispositivo para de funcionar.
Ter "tudo em um" é muito cômodo e durante muitos anos eu também não via nada de mal com essa concepção. Porém o tempo e a experiência me mostraram as vantagens de se ter aparelhos independentes e desconectados, que realizam funções específicas com excelência, um complementando o outro.
Exemplo de compartimentalização. Sistema de áudio doméstico modular.
É mais trabalhoso? É! Mas há uma certa satisfação nostálgica, no caso, em se gravar em um dispositivo (ex. filmadora portátil), editar em outro (ex. computador), transmitir em um terceiro (ex. do videocassete para tv) e armazenar em um quarto (ex. fitas VHS) para ser apreciado em um quinto (ex. sites de vídeo distribuição, como YouTube). Tudo desconectado e independente. Cada um desempenhando o papel para o qual foi desenhado e construído.
Claro que não há nada de errado em se usar um celular moderno para se gravar vídeos, ouvir música e se conectar com outras pessoas.
Entretanto, quando ampliamos o escopo e percebemos o quão essa tecnologia pode ser descartável, para não dizer rastreável e viciante, lembramos — aqueles dentre nós que viveram os tempos mais simples — que tudo isso já era possível com equipamentos específicos em separado. Era uma época de tecnologia mais simples, quase artesanal, porém de muita engenhosidade e capricho. E por que não, beleza?
Se parar para pensar, hoje se eu quiser tirar uma foto usou meu celular. Gravar um vídeo? Idem. Gravar um áudio? Mesmo aparelho!
Para eu ouvir música não preciso de CDs, LPs ou fitas cassette, há o YouTube, Spotify, Deezer e tantos outros serviços. Por que eu compraria CDs hoje? Esse é uma pergunta para um outro post.
Voltando, tudo que fazemos hoje depende de um celular ou é facilidado por ele. Entretenimento, informação, lazer, comunicação. Mas e se, por exemplo, o prazer de se escutar uma boa música não pudesse ser apreciado da maneira como se fazia antes? Não através de fones de ouvido ou bluetooth, mas da conexão direta da fonte com o ouvinte?
Ouvir sua música através de um sistema de som, potente e de qualidade, é uma outra experiência. Bem diferente de se ouvir por fontes e completamente radical do que se ouvir pela fraca e ruidosa saída de som de um celular.
Na minha humilde e leiga opinião, perdemos alguma vivência ao delegar à um pequeno e viciante dispositivo nossa vida, rotina e convivência. Como mencionei antes, é muito prático e útil, mas tomada as devidas doses, pode ser ainda melhor em não depender e ficar prisioneiro dele em tudo.
A final, às vezes o preço da soberania é a perda da comodidade. Principalmente quando ela é fornecida por terceiros, cujo controle nos escapa.