×
×
×

Diário de Bordo

causos, cotidiano e pensamentos

Simples é melhor

23 de mar de 2023

Quando se é jovem, com o primeiro emprego bem encaminhado, uma grana guardada e bem "peixe fora d'água" por não se sentir atraído por festas, bebidas e muvuca nas noites e madrugadas dos fins de semana, se desenvolve uma paixão por coisas simples. No meu caso eram música, filmes e séries.

Lembro quando meu pai trouxe um dos primeiros 3 em 1 pra casa, que até então lá só existia separado em toca fitas, toca discos e rádio. Era um Phillips cor prata, horizontal, que logo se mostrou bem ruimzinho, pois possuia peças existentes apenas nas autorizadas.
Depois deve veio um Sony vertical com duplo deck, bem básico, mas que permitia copiar de uma fita K7 para outra em alta velocidade. Algo bem interessante, apesar de não ser perfeito, pois ia junto à cópia um ruído que incomodava um pouco ao escutar a fita.

Imagem meramente ilustrativa, mas bastante semelhante ao modelo que havia comprado.

Comprei com meu salário um velho sonho de consumo, uma TV tela plana grande (pelo menos pros padrões da época). No caso era uma Sony de 20" estéreo, com tecnologia para receber tanto sinais PAL-M quanto NTSC (Brasil e Estados Unidos, respectivamente).


Também comprei um vídeo cassete que queria, igualmente da Sony, compacto e com leitura, gravação e reprodução igualmente pura em NTSC ou PAL-M, pois considerava a qualidade NTSC superior ao PAL-M nacional. Infelizmente não tinha como gravar programação da TV nesse sinal sem um conversor, mas podia copiar fitas VHS nesse padrão.

Video cassete bem parecido com o que tinha, mas não encontrei o modelo certo. Nem me recordo qual modelo era.

Com o passar do tempo as novas tecnologias foram se chegando e me chamando atenção, mas eram por demais caras pra mim na época.
Coisas como Receiver, Home Theater, TV de plasma (se bem que essa nunca me deu interesse), DVDs Players cuja qualidade pra época era sem igual! Aos poucos fui adquirindo meu "set" pra audiovisual, sempre que o preço me permitia. Mesmo que morar perto da praia me deixasse um pouco triste pela maresia acabar com tudo que era metálico.

Então começou a surgir a verdade cruel que teve início em meados da década de 1980 e alcançara seu pico dez anos depois. Tudo era feito pra ser jogado fora!
Dependendo do componente eletrônico ou do mecanismo defeituoso, era irreparável ou custoso demais para ser consertado. Valendo mais a pena, financeiramente, descartar o aparelho e comprar outro.
Foi assim com o 3x1 Phillips, o Sony, a minha TV e video cassete também da Sony, o aparelho Home Theater da LG que havia comprado em seguida, a TV LG de 48" LED, todos condenados por não ter peça ou não compensar o conserto em comparação à compra de um novo.
Até mesmo o aparador de pêlos da Phillps foi condenado pela assistência técnica autorizada, pois eles não realizavam a troca da bateria, que era a única coisa que precisava ser feito nele, pois de resto funcionava perfeitamente!

Com essa perda toda, dinheiro que vai embora em algo que, na melhor das hipóteses históricas, vai durar 5 anos, eu decidi não comprar mais nada novo - salvo TV por falta de opção - e buscar investir em aparelhos mais simples pra um consumo de mídia de boa qualidade e dentro do orçamento. E de preferência equipamentos antigos com alto grau de "consertabilidade".
Logo de cara abandonei os Home Theaters descartáveis por um micro system AIWA que foi o último que entrou em casa antes de me mudar. Nenhum dos meus irmãos o queria e eu peguei para ligar o auxiliar à TV e assitir filmes e séries. Foi aí que ele começou a apresentar problemas, sendo o principal e mais irritante o tal defeito crônico de desligar sozinho. Característica desses micro systems da AIWA, coisa que só descobri ao buscar assistências. E que surpresa, ninguém queria sequer recebê-lo para análise, já alegando falta de peças.
Por mais que ele tivesse rádio, deck duplo e uma bandeja para 3 CDs, a única coisa que queria era que ele não desligasse sozinho! Detalhe que não ligava de volta! Tinha que esperar algumas horas ou dias pra ele decidir ligar novamente!
Depois de passar quase uma semana ligando para assistências técnicas para ver se alguém pelo menos iria se dispor a olhá-lo, achei apenas uma que aceitou recebê-lo para análise, do outro lado da cidade, quase em outro município. Já estava desistindo do aparelho quando liguei para uma outra em um bairro próximo e o técnico aceitou olhar o aparelho, já que não custava nada apenas olhar e já que a única coisa que queria era que ele não desligasse. Não parecia tão impossível assim.
Por fim deu certo. O controle do toca CDs estava condenado. A placa principal deste módulo não tinha reparo, nem existiam peças uma vez que a AIWA havia abandonado o país com a compra pela CCE. Ele isolou o toca CDs e conseguiu consertar o que causava o desligamento do aparelho - pelo menos até agora não desligou desde que o peguei ontem.

Todas essas desventuras - sem falar do gasto - me fez pensar se não há como evitar toda a fadiga trazida pelas novas tecnologia irreparáveis do mundo atual. Cada vez mais hi-tech, mais hi-fi, mais complexo e igualmente cada vez mais sem conserto!
Então me lembrei dos velhos discos de vinil que ainda tenho guardados. Uma coisa que está voltando à moda, simples e relativamente baratos se forem garimpados nos lugares certos.
Fui pesquisar a respeito da tecnologia dessa época, o que podia ser encontrado do final da década de 1970, início da de 1980 e que atendesse ao meu paladar por qualidade, simplicidade e reparabilidade.
Foi aí que dei de cara com o canal Uebe Vintage. Um cara do interior de São Paulo - pra variar - que conserta e vende aparelhos antigos, fazendo reviews e demonstrações dos mesmos. Aos poucos fui mergulhando nesse mundo da década que nasci e me encantei com o que era produzido então. Tanto em qualidade quanto em simplicidade! Nada de circuitos integrados e chips microprocessados que cuidam de operações como sintonia de estações de rádio e mecanismos de leitura de fitas K7. A tecnologia nacional naquela época era quase artesanel, com gabinetes de madeira e paineis brilhantes, misturando um visual que remetia à visão futurística da época e a elegância clássica dos móveis de madeira - por mais que esta dos aparelhos esfarelasse com o tempo.
A característica simples da montagem de alguns desses aparelho em nada significava que eram de baixa qualidade. Claro que para os padrões atuais não se pode esperar um som Dolby Digital, aliás não possuíam nada de digital. Era tudo ou mecânico ou eletrônico, da forma mais simples e elegante possível. O que torna boa parte de seus componentes altamente reparáveis e/ou substituíveis. Bem mais do que um aparelho atual.

Nesse meio tempo o canal Uebe Vintage realizava sua primeira venda do mês de março de 2023, anunciando dentre os aparelhos 4 ou 5 toca discos. Três deles do mesmo modelo, sendo que a única diferença de um para os outros dois deste modelo, no caso um Gradiente Garrard S-95, era que ele não possuía o pino longo e o braço que apoia um segundo LP para empilhamento.

Aproveitei o momento e adquirí um dos modelos Garrard, que por mais básico e com rotação por polia, possui um mecanismo simples, fácil de reparar e dentro do meu orçamento para compra. Tenho fé que o Uebe foi sincero em afirmar que o toca discos me atenderá por muitos e muitos anos, já revisado por ele.
Curioso que os três toca discos não duraram 24h no Mercado Livre, por onde foram vendidos pelo Uebe. Outros aparelho, incluíndo demais toca discos de outras marcas e modelos, levaram alguns dias para serem comprados, mas quase tudo que ele posta lá é vendido em poucos dias.

A segunda coisa que fiquei de comprar seria o receiver. Comecei pesquisando um da mesma marca do toca discos.
Encontrei um STR-1250 muito bonito e elegante, com painel escuro e luzes verdes.

Após muito pesquisar já havia me decidido pelo receiver da Gradiente, mas a dificuldade em encontrar o aparelho me fez esperar por uma oportunidade e nesse meio tempo fui conhecendo outras opções da mesma época. Foi aí que cheguei a conhecer o Polyvox PR-2200, concorrente direto do Gradiente STR-1250, ambos lançados no final da década de 1970.
Ambos com estruturas em madeira, eletrônica simples e visual elegante - na minha opinião - fiquei dividido entre ambos durante um tempo, mas dando preferência ao Gradiente por puro desconhecimento da marca Polyvox. Mas acabei me inclinando para o PR-2200 pelo review que encontrei dele em canais do YouTube - não me recordo qual - onde comparam ele com o Gradiente STR-1250.
O Polyvox se saiu melhor em qualidade sonora, com graves mais fiéis e macios, e por possuir mais entradas do que o Gradiente. Sendo assim decidi pelo Polyvox, começando então minha busca pelo modelo, tanto por detalhes sobre reparabilidade e valor do aparelho no mercado.

O Gradiente sabia que possui um integrado simples usado em partes do aparelho que, caso se danificasse, não existe mais à venda no mercado. O Polyvox não encontrei informações sobre peças indisponíveis, me parecia mais reparável que o Gradiente, mas mesmo que fosse igualmente limitado em alguns componentes, seria no máximo de igual reparabilidade ao Gradiente.
Escolhido o receiver agora é ir garimpar. Esses aparelhos são difíceis de serem encontrados. Quem tem não vende, e quem põe a venda, assim que descoberto, o tem comprado em pouco tempo.

Por mais que eu seja apreciador da originalidade dos bens, admito que uma mudança para a melhor às vezes é aceitável e necessária.
O aparelho que encontrei à venda no momento desde post estava em Recife, custando R$1.050,00 - em contraste ao Gradiente STR-1250 que encontrei por R$1.299,00 - Lembrando que ambos os modelos eram tops de linha de sua época. O Polyvox de Recife possuía uma caixa metálica no lugar da de madeira, uma fonte aparentemente trocada e uma lâmpada LED de seleção queimada. Sorte que o LED queimado era da entrada de microfone, que fica atrás e não pretendo usar.
O painel parece estar bem conservado, com a serigrafia preservada e todas as entradas funcionando. O único problema que encontrei ao perguntar foi sobre as saídas de alimentação auxiliares que o aparelho oferece. São três, duas acionadas ao ligar o receiver e uma disponível diretamente. O Gradiente só possuia duas tomadas.
Fechei negócio e o vendedor me garantiu que repararia as tomadas do Polyvox, deixando-as funcionais novamente.

Espero que a aquisição destes aparelhos atendam minhas expectativas, tanto em qualidade, eficiência e reparabilidade. Mas não espero repará-los tão cedo, já que estão ambos saindo de uma revisão recente.

Outras vantagens destes aparelhos são: a ausência de controles remotos, me forçando a levantar a bunda e ir trocar o disco ou mudar de estação; O desligamento é feito por chave, sem consumo extra de energia por não existir modo stand by, usado quando um controle remoto é usado em conjunto com o aparelho.

Agora só me resta garimpar uns LPs e refazer minha coleção. Ouvindo a música como ela foi feita para ser ouvida: como uma experiência e não uma mídia de consumo descartável.

Tags: simplicidade, tecnologia, música