Em todos esses anos nessa indústria vital
A postagem a seguir foi retirada do site da Revista Oeste.
Digamos que um cidadão qualquer, num dia em que tem um tempinho livre, pega o termômetro, enche uma chaleira com água e põe no fogo. O fogo vai esquentando, esquentando, até que, a uma certa altura, a água ferve. Ele coloca então o termômetro dentro — e vê que está marcando 100 graus...
O cidadão guarda o termômetro, esvazia a chaleira e chega à seguinte conclusão: “A água ferve a 100 graus”. Errado — não só errado como também, pior que isso, possivelmente uma ameaça à democracia. Estaria certo em qualquer país do mundo, mas isso aqui é o Brasil do ministro Alexandre de Moraes e dos seus colegas do Supremo Tribunal Federal, e as coisas não são assim. Aqui o ministro Moraes vai dizer que de fato há a chaleira com água, que o termômetro existe e que a água foi para o fogo até que ferveu ao chegar aos 100 graus; todos esses fatos são “verdadeiros”, como ele próprio admitiria. Mas a conclusão de que a água ferve a 100 graus está errada — se Moraes decidir que ela está errada. Nesse caso, passa a ser uma fake news disfarçada de notícia verdadeira. Segundo Moraes e os seus colegas, isso se chama “desordem informacional”; é um novo tipo de “ato antidemocrático”, que tem de ser severamente punido para salvar o “estado de direito” neste país. Muito cuidado, portanto: no Brasil a água só ferve à temperatura que o ministro deixar.
Alexandre de Moraes, ministro do STF | Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
O cidadão poderia perguntar o seguinte: “Por que a conclusão está errada, se de fato o termômetro estava marcando 100 graus quando a água ferveu?”. Seria melhor não perguntar nada, para que o infeliz não se veja enfiado de repente no inquérito criminal, ilegal e perpétuo montado por Moraes para reprimir atividades “antidemocráticas”. Mas, se por acaso alguém perguntasse, a resposta seria: “Porque o ministro diz que está errada, e no Brasil de hoje o tribunal supremo da justiça deu a si próprio uma função até hoje desconhecida no direito universal — por força dela só o ministro Moraes e os colegas podem realmente chegar a conclusões certas. É a nova Teoria Geral das Conclusões: seu mandamento fundamental estabelece que qualquer conclusão, por mais que esteja baseada em fatos autênticos, só é correta se o STF, ou TSE, ou coisa parecida, decidir que é correta. Essa teoria também pode ter outro nome: Ordenamento Universal do Mundo Segundo a Vontade de Lula.
Ou é essa censura primitiva ou, então, é repressão policial em estado puro, como no caso da mulher do Paraná que foi proibida de pintar o seu Fusca, de para-choque a para-choque, com as cores da bandeira do Brasil e os dizeres “Bolsonaro 2022”
Um caso concreto? Pois não — é o que o leitor vai encontrar nas linhas seguintes. É verdade, por exemplo, que o ex-presidente Lula foi condenado na justiça brasileira pelos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes. É verdade que diretores da Petrobras (para ficar só nela) e empreiteiros de obras públicas confessaram espontaneamente, assistidos em juízo por seus advogados, que cometeram atos de corrupção durante os governos Lula. É verdade que devolveram parte do dinheiro roubado, e que esse dinheiro foi depositado no Tesouro Nacional. É verdade que colaboradores de primeira grandeza do ex-presidente, a começar pelo seu ministro mais importante, fizeram delações públicas acusando-se mutuamente de ladroagem e denunciando casos de corrupção de uma ponta a outra nos 14 anos de governo da dupla Lula-Dilma. É verdade, enfim, mais um caminhão coisas desse tipo. Entra então, a essa altura, a Teoria Geral das Conclusões. O ministro Moraes diz que todos os fatos relacionados acima são “verdadeiros”; diz por escrito, em despacho oficial do TSE. Mas o ministro também diz outra coisa. De acordo com a sua decisão, ninguém pode afirmar, em cima desses fatos, que existem ligações entre Lula e a corrupção; isso é uma “conclusão errada”. Ele acha que está errada e pronto; você pode achar que está certa, como no caso da água que ferve a 100 graus centígrados, mas não interessa — está errada porque o ministro Moraes resolveu que é assim. Sendo errada, não pode ser divulgada por ninguém. É um ato contra a “democracia”.
Ex-presidente Lula presta depoimento a Sergio Moro, em 2017, antes de ser preso | Foto: Reprodução
Tudo isso acaba de acontecer na vida real, na campanha eleitoral mais facciosa já registrada na história do Brasil, pela ação abertamente parcial do TSE em benefício de um dos candidatos. (É claro que houve uma ou outra decisão a favor do presidente Jair Bolsonaro, como na objeção a dizer que ele come carne humana, segundo acusa o PT; afinal, nenhum juiz pode dar 100% das faltas do jogo para um time só. Mas até uma criança com 10 anos de idade sabe perfeitamente que a “justiça eleitoral” está fechada com Lula, ou contra Bolsonaro, desde o primeiro minuto.) Esta história da “conclusão errada” é o último acesso de esquizofrenia seletiva do nosso judiciário mais alto — e vale a pena ser registrada apenas pela particularidade de ser provavelmente um novo recorde nacional em matéria de decisão estúpida. A produtora Brasil Paralelo, como se sabe, reuniu diversos vídeos registrando os atos de corrupção descritos no parágrafo anterior e, com base no material coletado, afirmou que há pontos de contato entre Lula e a corrupção. Qual poderia ser a dúvida? Impossível saber. Só que Lula não quis que o material fosse exibido; exigiu sua censura e foi atendido na hora pelo TSE. Segundo Moraes e seus parceiros, todos os vídeos sobre a corrupção no governo Lula são “verdadeiros”, mas a conclusão de que Lula tem alguma coisa a ver com corrupção está “errada”. Isso aí, segundo eles, é um novo delito contra a democracia — a tal “desordem informacional”, como dizem, ou uma notícia verdadeira que se transforma em fake news quando as autoridades não aprovam a conclusão à qual se chega pela observação dos fatos objetivos em relação a ela. No caso, censuraram a Brasil Paralelo porque Lula e os advogados do PT proibiram que a informação fosse publicada.
Lula transformou o TSE num órgão de Estado histericamente parcial. Para ficar apenas no mais grosseiro, o tribunal proibiu o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, de expor ao eleitor de seu Estado fatos públicos e indiscutíveis que deixam Lula muito mal na foto — “conclusão errada” do governador, provavelmente. Proibiu mostrar vídeos em que o ex-presidente defende a legalização do aborto. Proibiu a exibição de um vídeo em que Lula diz, com todas as letras: ainda bem que a natureza nos mandou esse monstro da covid, para as pessoas aprenderem a importância do “Estado”. (Ou seja: segundo Lula, o brasileiro tem de aprender que o governo manda e ele obedece.) Ameaça de punição quem quer investigar as empresas de “pesquisa” pela divulgação de números grotescamente errados em favor de Lula. Proibiu a exibição das imagens das comemorações do Sete de Setembro, quando mais de 1 milhão de eleitores foram às ruas em todo o país para manifestar seu apoio a Bolsonaro. Proibiu que fosse mostrado o vídeo de sua viagem oficial para os funerais da Rainha Elizabeth II. Proibiu o vídeo de seu último discurso na ONU, também em viagem de Estado — e por aí vamos, num cala-boca geral que nem o AI-5 pretendeu impor.
Manifestação pró-governo no 7 de Setembro, que neste ano se comemorou o Bicentenário da Independência do Brasil | Foto: TV Brasil
É uma coisa frenética, que se passa sob a cumplicidade, ou apoio aberto, de veículos de imprensa e de jornalistas, empenhados em agir como militantes políticos anti-Bolsonaro — ou a favor da candidatura de Lula. A Rádio Jovem Pan está sob censura permanente, e absolutamente ilegal: foi proibida de dizer qualquer coisa sobre os processos e condenações de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. É uma demência: trata-se de fatos públicos, registrados em autos oficiais da Justiça brasileira, como no caso da Brasil Paralelo. A censura atinge, na verdade, tudo o que os advogados do PT acham que pode afetar a “imagem” de Lula. O ex-ministro Marco Aurélio, do próprio STF, está proibido de dizer que Lula não foi absolvido pela justiça; ele lembrou, apenas, que os processos do ex-presidente foram “anulados”, sem qualquer tipo de julgamento, e isso não tem nada a ver com absolvição. Também é proibido informar que o PT votou contra, na prática, o Auxílio Brasil, ao também votar contra o pagamento parcelado dos precatórios — de onde saiu o dinheiro para pagar o auxílio. Ou é essa censura primitiva ou, então, é repressão policial em estado puro, como no caso da mulher do Paraná que foi proibida de pintar o seu Fusca, de para-choque a para-choque, com as cores da bandeira do Brasil e os dizeres “Bolsonaro 2022”.
O fato é que jamais houve uma campanha eleitoral como essa, e nem uma sucessão presidencial tão suja. O TSE conduz a eleição como se ela fosse um evento interno do PT, no qual quem dá as ordens é Lula — uma eleição típica de ditadura em país de partido único. Os ministros estão cometendo uma ilegalidade neurótica. Saíram do horário eleitoral — onde as suas proibições já são um ataque direto à liberdade de expressão, mas ainda guardam algum ponto de contato com a lei — e estenderam os seus poderes de censura a tudo. Em qual dos seus artigos a Constituição lhes permite algo remotamente parecido com isso? E quando foi que o Congresso aprovou algum tipo de autorização para fazerem o que estão fazendo? O resultado é uma aberração: acabaram dando ordens aos órgãos de imprensa, ao ex-ministro Marco Aurélio e à mulher do Fusca. Quanto tempo o Brasil vai levar para ter de novo confiança na autoridade eleitoral, justo num momento que a credibilidade da população no Supremo atinge os seus níveis mais baixos? Não é apenas a conduta dos ministros na campanha. É a perda maciça que a sociedade brasileira sofre, como um todo, quando vê os principais magistrados do país usarem seus cargos para violar tão abertamente a lei — e, ainda por cima, destruir a vida inteligente em tudo aquilo que tocam.
Então com medo de um Fusca adesivado
É o que está acontecendo todos os dias na atuação política do TSE. Para potencializar o caso da “conclusão errada”, os ministros “avaliam” uma petição demente de Lula e do PT — coisa tão idiota que jamais poderiam permitir que sequer passasse pela catraca de sua portaria. O candidato da esquerda nacional exige o seguinte disparate: que o TSE imponha “isonomia”, entre ele e Bolsonaro, no tratamento que recebem no noticiário da Rádio Jovem Pan. Segundo seus advogados, pagos com os milhões de reais que o “Fundo Eleitoral” extorquiu do pagador de impostos (Lula, disparado, foi quem mais gastou nessa campanha), a emissora teria a obrigação de dar “espaço igual” para os dois. Heimmmm? “Espaço igual”? Por que espaço igual? De onde eles foram tirar um negócio desses? Em que lei deste país está escrito que um órgão de imprensa tem de dar o mesmo espaço em minutos, ou em centímetros, ou seja lá no raio que for, para os dois candidatos que sobraram no segundo turno — ou para qualquer outra coisa? A Constituição Federal garante para todo e qualquer veículo brasileiro de comunicação a liberdade de distribuir o seu espaço da maneira como achar que deve; não existe para nenhum órgão de imprensa, simplesmente não existe, a obrigação de dedicar porcentagens exatas para coisa nenhuma, ou para absolutamente ninguém. Se a emissora quiser dedicar 100% do seu tempo a Bolsonaro, ou a lições de geometria, isso é problema dela e dos seus ouvintes. A Jovem Pan não é, embora o PT queira que ela seja, uma extensão do “horário eleitoral obrigatório”, nem uma rádio cubana; é uma emissora privada, e tem o direito de editar o seu conteúdo sem pedir licença para ninguém. Por que não se exige “isonomia” da TV Globo ou da Folha de S.Paulo, que são mil por cento contra Bolsonaro — e têm todo o direito legal de fazer isso? Dar ordens à Jovem Pan, para que seja neutra entre Lula e Bolsonaro, ou coisa parecida, é ditadura aberta. Pior: é ditadura que pretende ter argumentos.
Há poucas coisas piores que isso na vida política de qualquer país deste mundo.
Fonte: Revista Oeste
Tags: eleições-2022, liberdade, brasil