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Diário de Bordo

causos, cotidiano e pensamentos

A distopia alexandrina

17 de mar de 2024

Texto de Rodrigo Constantino na Revista Oeste

Nesse 'duplipensar orwelliano', guerra é paz, escravidão é liberdade. E, claro, censura é combate ao discurso de ódio, enquanto ditadura é democracia.


O Brasil atual, definitivamente, saiu das páginas de uma ficção direto para a realidade totalitária. Se antes a distopia do Grande Irmão era apenas isso — um alerta literário inspirado no modelo soviético —, hoje é basicamente o cotidiano do nosso país, com direito até a imitação do olho como símbolo. Falo, claro, do novo Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE), lançado nesta semana por Alexandre de Moraes no TSE.

O nome já é bizarro, e evidente eufemismo para controle social intenso. O nosso Ministério da Verdade foi oficialmente criado, com os olhos atentos do ministro supremo a tudo que se passa nas redes sociais, para que possa, de imediato, banir aquilo que for "discurso de ódio" ou “fake news". Nossa democracia está sendo “salva" por quem deseja transformar nossa nação numa cópia escarrada da União Soviética. É assustador!

No site do TSE, ficamos sabendo qual é a meta do troço:

"Serão atribuições do Centro a troca de informação entre seus integrantes, de modo a agilizar a comunicação entre os órgãos, entidades e plataformas de redes sociais, bem como para aprimorar a implementação de ações preventivas e corretivas. Outras importantes funções serão: coordenar a realização de cursos, seminários e estudos para a promoção de educação em cidadania, democracia, Justiça Eleitoral, direitos digitais e combate à desinformação eleitoral; organizar campanhas publicitárias e educativas; e sugerir aos órgãos competentes as alterações normativas necessárias para o fortalecimento da JE, assim como para o enfrentamento da desinformação e dos discursos de ódio e antidemocráticos no período eleitoral."

Posso imaginar uma lista de gente que aplaudiria: Fidel Castro, Hitler, Stalin, entre os mortos, e Putin, Xi Jinping e Maduro, entre os vivos. Haja democracia relativa para justificar tanto empenho em censurar a praça pública da era moderna, criando um mecanismo totalitário que pode determinar, por arbítrio, o que é verdade e o que é mentira, além de criar leis inexistentes, como o crime de opinião.

O esforço alexandrino não vem num vácuo, claro. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ex-colega de STF do próprio Alexandre de Moraes, disse que o Estado "não hesitará em usar poder de polícia contra fake news", independentemente da ausência de crime tipificado com tal característica. A Polícia Federal cada vez mais vem se transformando numa espécie de KGB, a polícia política soviética, ou numa Stasi, da Alemanha comunista, que espionava a população inteira. E, como à captura tem que ser total para se configurar um regime totalitário para valer, à Anatel disse ao ministro Alexandre que vai usar poder de polícia também para retirar sites e aplicativos do ar. Coreia do Norte é o novo nome do Brasil, pelo visto.

Em seu famoso livro 1984, George Orwell descreveu, ainda na década de 1940, a típica distopia moderna. Ele já tinha os exemplos nazista e bolchevique para sua análise dos resultados práticos do socialismo. Mas, ainda assim, foi de uma clarividência incrível ao mostrar como funciona a mentalidade do totalitário, e quais são às consequências disso. Lembremos também que a propaganda de Stalin e sua "cortina de ferro" não deixavam transparecer ao mundo as atrocidades cometidas em casa. O "profeta" Orwell merece respeito por sua acurácia, portanto.

Orwell define que a nova aristocracia que tomaria o poder pelo socialismo seria composta, na sua maioria, de burocratas, cientistas, técnicos, organizadores sindicais, peritos em publicidade, sociólogos, professores, jornalistas e políticos profissionais. Essa gente, cuja origem estava na classe média assalariada e nos escalões superiores da classe operária, fora moldada pelo mundo do governo centralizado, onde a liberdade individual precisa ser combatida. Como o próprio autor diz, "comparada com os seus antecessores, era menos avarenta, menos tentada pelo luxo, mais faminta de poder puro e, acima de tudo, mais consciente do que fazia e mais decidida à esmagar a oposição".


Não há previsão legal para o tal CIEDDE, mas restrições legais ou constitucionais nunca foram impeditivo para o avanço do arbítrio supremo.


A manipulação da mente é um dos principais mecanismos da manutenção do poder. O advento da televisão tornou ainda mais fácil manipular a opinião pública, e pela primeira vez existia a possibilidade de fazer impor não apenas completa obediência à vontade do Estado, como também completa uniformidade de opinião em todos os súditos. A única base segura da oligarquia é o coletivismo, já que a riqueza e o privilégio são mais fáceis de defender quando possuídos em conjunto. Por isso a chamada "abolição da propriedade privada" sempre é defendida pelos socialistas, e acaba sendo, na verdade, a concentração da propriedade em um número bem menor de mãos, as dos donos do poder.

O ódio é sempre fomentado, e, quando não há inímigos reais, cria-se. Espera-se que o membro do partido viva num frenesi contínuo de ódio aos "inimigos" estrangeiros e aos "traidores" internos, desviando suas emoções para tais coisas. O "neoliberalismo", a "extrema direita", os "bolsonaristas golpistas", são todos bodes expiatórios usados para despertar esse ódio instintivo. Não pode haver lugar para a razão, para uma busca imparcial de fatos. O domínio do sentimento sobre o cérebro deve ser total. O grande inimigo real do partido é o “pensamento independente". Este precisa ser abolido!

Um dos meios de controle mais interessantes, e bastante abordado por Orwell, é a manipulação da mente. O autor criou, em sua Novilíngua, o termo “duplipensar", que representa a capacidade de guardar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias e aceitá-las ambas. A estupidez não basta. Pelo contrário, é exigido sobre o processo mental do indivíduo controle tão completo quanto o de um contorcionista sobre seu corpo. O Grande Irmão é onipotente, e o partido é infalível. Para isso, deve haver uma incansável flexibilidade na interpretação dos fatos. O relativismo deve ser constante, e é preciso sempre interpretar fatos sem objetividade, para que a “verdade" esteja eternamente com o partido. O passado deve ser alterado, e realmente vemos como os socialistas costumam reescrever a história com frequência.

O membro do partido consegue dizer mentiras deliberadas e nelas acreditar piamente. Como descreveu Orwell, "esse particularíssimo amálgama de opostos: sabedoria e ignorância, cinismo e fanatismo, é um dos sinais que distinguem a sociedade (socialista)". Vamos verificando essas características em todos os países ou partidos socialistas. Num momento à "soberania nacional" diz que uma nação democrática não pode criticar outra sem liberdade, como quando Lula defendeu Venezuela e Cuba das acusações americanas; no outro, a mesma "soberania nacional" é ignorada quando uma nação autoritária invade outra livre, como Rússia na Ucrânia ou a ajuda venezuelana na revolução da Nicarágua. São eternos dois pesos e duas medidas.

Nesse "duplipensar orwelliano", guerra é paz, escravidão é liberdade. E, claro, censura é combate ao discurso de ódio, enquanto ditadura é democracia. Não há previsão legal para o tal CIEDDE, mas restrições legais ou constitucionais nunca foram impeditivo para o avanço do arbítrio supremo. O Brasil mergulhou de vez numa distopia totalitária, a distopia alexandrina. Parabéns aos "isentões" envolvidos!

Tags: brasil, eleições-2024, política, nova-ditadura-br